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Machado de Assis - Um bilhete - reescrito pelos componentes do grupo no séc. XXI
Antes que acabasse o baile, Luana dizia à mãe que não queria ficar nem mais um minuto.
— Que isso? Disse a mãe. Acabou de dar uma hora agora.
— Não quero saber. Vamos embora.
— Ai, meu Deus!
— Vamos, vamos.
Não havia o que dizer, a filha mandava na mãe, que perderia o lugar no céu, se fosse preciso, para não chatear sua filha. Sacrificava a melhor parte do baile; contanto que a filha não sofresse.
Sofre. sofria. No carro, logo que as duas entraram, Luana começou a falar em voz alta com tudo, com o carro, com a capa, com o calor, com o pó, com a mãe e com ela mesma. A mãe entendeu logo: era algum desgosto que o Daniel lhe deu. Realmente, lembrou que o Daniel, indo despedir-se delas, nem alcançou que Luana olhasse para ele. A moça deu apenas a pontinha dos dedos, e falou de costas; naturalmente estavam brigados.
A viagem foi agitada. Nunca o mau humor da jovem foi tão grande e nem explosivo. A mãe pagou pelo namorado, mas como era sabia e estava com fome, preferiu não falar nada.
Em casa, continuou o mau humor. A pobre empregada da jovem sofreu como nunca. Luana entrou para o seu quarto, furiosa, tirou a roupa, perturbada, dizendo coisas duras, rasgando uma das mangas do seu vestido, atirando as flores no chão, desesperada e indignada sem nenhum motivo. No fim, disse à empregada que fosse embora, e ficando só chorou como nunca. Mesmo sozinha, ia falando, mordendo os lábios, dando socos no joelhos. Depois levantou-se da cadeira, foi à secretária e escreveu o seguinte bilhete:
Nunca pensei que você fosse tão falso. Nunca imaginei que pudesse agir assim no baile; acredito que não manifestei o meu desgosto, por dois motivos: — o primeiro, porque ainda tive força de me dominar; segundo, porque depois do que você me fez, não pode haver mais nada entre nós. Se quiser fique com a viúva. Devolva as minhas cartas e adeus. Esta determinação não tem mais volta. Qualquer tentativa de reconciliação me obriga a tomar uma atitude que não quero.
Desabafou a sua ira, e deitou-se para dormir. O sono não veio logo; a raiva agitou a pobre jovem, e só quando veio a madrugada foi que ela pôde dormir um pouco. No dia seguinte, o Daniel recebia este bilhete:
Desculpa algumas palavras que te disse ontem no baile. Estava muito triste. Vem hoje fazer um lanche, e eu te explico tudo.
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